A tragédia aérea comove - porque morre muita gente de repente - e ao mesmo tempo. Buscamos explicar porque a tecnologia humana nos falhou e sentimos que todo avião que cai poderia ter sido o nosso - ou o de alguém próximo e querido. Conversamos com nosso medo maior - o medo da indesejada das gentes - e sentimos seu bafo frio por um instante. E então, iludidos, achamos que conseguimos afastá-la para nunca mais.
Mas não existe nunca mais para ela.
A tragédia esportiva comove - porque no esporte projetamos ideais e utopias - e morte do personagem público é um livro rasgado, um arquivo corrompido, um filme interrompido antes do clímax. Um avião caiu. Mais de setenta pessoas morreram. A tragédia aérea se atou à esportiva. A história de um pequeno grande time catarinense ficou gigante. Vinte atletas. Treinadores. Jovens. Veteranos. Vinte jornalistas - contadores de histórias interrompidos. Um clube.
O esporte comove porque nele desafiamos limites e canalizamos instintos. E hoje, diante da tragédia, aflora nossa melhor parte - aquela capaz de estender a mão. Em cada ato de solidariedade ou compaixão, em cada lágrima ou abraço, a gente se conecta. Por um instante esquecemos coxinhas e petralhas, corruptos e caras-de-pau, paramos de culpar, ofender, satanizar o outro - para ter o impulso de abraçá-lo.
É isso que a fragilidade faz. É isso que fazemos quando nos sentimos coletivamente vulneráveis, quando nos sentimos diante da notícia até óbvia de que somos breves. E que, num sopro, podemos deixar de ser.
E então nos transportamos para a Arena Condá - onde mais de mil pessoas se sentam nas arquibancadas diante de um campo vazio. Estão ali para velar seus mortos - para ver o jogo silencioso. No gramado sem vinte e dois atletas, sem treinador, sem juiz, talvez atuem sombras dos últimos lances, talvez corra uma bola grávida de significados. Longe, mais de mil quilômetros além, a delegação falecida aguarda o traslado.
A tragédia dói mais porque a Chapecoense foi abatida no auge de sua jornada. O indiozinho humilde que ameaçava conquistar a América e - no clímax do filme - recebeu uma bala perdida. Em sete anos pulou da Série D para a Série A - e conquistou vaga numa final sul-americana. E de repente, não mais que de repente, foi fulminado. Mas, como Vanderlei abalroado pelo padre, a Chape sairá da tragédia maior - mais ampla, campeã de uma divisão extra-dimensional - cativa no peito de cada brasileiro.
E Chapecó vai guardar seus fantasmas - vai dar as mãos e seguir. Nós também. Vamos respirar, matar no peito, absorver e seguir na direção de nosso bafo frio. Esse - que fingimos driblar ou acreditamos enganar. Vamos lembrar desse 29 de novembro - vamos nos curar aos poucos. Talvez esqueçamos rápido de nossa mortalidade. É provável que voltemos a apontar dedos e cerrar lábios (e punhos). Mas, por um momento, ao menos, estamos em pausa - lembrando que todos seguimos até que passamos. Que possamos carregar alguma leveza de todo esse peso.
Fonte: globoesporte.com